A linda mulher despiu-se e pegou um longo chicote, com um pequeno cabo, que prendeu ao pulso. "Você pediu", disse ela. "Então vou chicoteá- lo." "Faça isso'; sussurou seu amante. "Eu lhe imploro." Sua mulher estava do outro lado da divisória de vidro do estúdio, ensaiando. Tinha pedido que desligasse o microfone que permitia aos técnicos escutarem tudo, e fora
obedecida. Terence pensava que talvez estivesse marcando um encontro com o pianista, e
deu-se conta: ela o levava à loucura, mas parecia que ele já tinha se acostumado a sofrer, e não podia viver sem aquilo.
"Vou chicoteá-lo", dizia a mulher despida, no romance que inha em mãos. "Faça isso, eu lhe imploro."
Ele era bonito, tinha poder na gravadora, por que precisava levar a vida que estava levando?
Porque gostava. Merecia sofrer muito, já que a vida tinha sido muito boa para ele, e não era digno de todas aquelas bênçãos - dinheiro, respeito, fama. Achava que sua carreira o estava levando a um ponto em que passaria a depender do sucesso, e aquilo o assustava, porque já tinha visto muita gente despencar das alturas.
Leu o livro. Começou a ler tudo que lhe caía nas mãos a respeito da misteriosa união entre dor e prazer. A mulher descobriu os vídeos que alugava, os livros que escondia, perguntou o que era aquilo, se ele estava doente. Terence respondeu que não, era uma pesquisa para o visual de um novo trabalho que ela devia fazer. E sugeriu, como quem não quer nada:
"Talvez devêssemos experimentar."
Experimentaram. No começo com muita timidez, baseados apenas nos manuais que encontravam em lojas pornográficas. Aos poucos foram desenvolvendo novas técnicas, indo até os limites, correndo riscos - mas sentindo que o casamento estava cada vez mais sólido. Eram cúmplices de algo escondido, proibido, condenado.
A experiência dos dois transformou-se em arte: criaram novos figurinos, couro e tachas de metal. A mulher entrava em cena com um chicote, ligas, botas, e levava a platéia ao delírio. O novo disco foi para o primeiro lugar das paradas de sucesso na Inglaterra, e dali seguiu uma carreira vitoriosa em toda a Europa. Terence se surpreendia ao ver como a juventude aceitava seus delírios pessoais com tanta naturalidade, e sua única explicação era que desta maneira a violência contida podia se manifestar de forma intensa, mas inofensiva.
O chicote passou a ser o símbolo do grupo, começou a ser reproduzido em camisetas, tatuagens, adesivos, cartões-postais.
A formação intelectual de Terence o fez buscar a origem daquilo tudo, para entender melhor a si mesmo.
Não eram, como disse ra para a prostituta em seu encontro, os penitentes que procuravam afastar a peste negra. Desde a noite dos tempos, o homem entendera que o sofrimento, uma vez encarado sem temor, era seu passaporte para a liberdade. Egito, Roma e Pérsia já tinham a noção de que, se um homem se sacrifica, ele salva o país e seu mundo. Na China, se acontecia uma catástrofe natural, o imperador era castigado, por ser ele o representante da divindade na terra. Os melhores guerreiros de Espana, na antiga Grécia, eram chicoteados uma vez por ano, da manhã até a noite, em homenagem à deusa Diana enquanto a multidão gritava palavras de incentivo, pedindo que agüentassem a
dor com dignidade, pois ela os prepararia para o mundo das guerras. No final do dia, os
sacerdotes examinavam as feridas deixadas nas costas dos guerreiros, e através delas previam o futuro da cidade.
Os padres do deserto, uma antiga comunidade cristã do século IV que se reunia em torno de um mosteiro na Alexandria, usavam a flagelação como meio de afastar os demônios, ou demonstrar a inutilidade do corpo durante a busca espiritual. A história dos santos estava cheia de exemplos - Santa Rosa corria pelo jardim, enquanto os espinhos feriam sua carne; São Domingos Loricatus chicoteava-se regularmente todas as noites antes de dormir; os mártires se entregavam voluntariamente à lenta morte na cruz ou nos dentes de animais selvagens. Todos diziam que a dor, uma vez superada, era capaz de levar ao êxtase religioso.
Estudos recentes, não confirmados, indicavam que certo tipo de fungo com propriedades alucinógenas se desenvolvia nas feridas, o que causava as visões. O prazer parecia ser tanto, que a prática logo deixou os conventos e começou a ganhar o mundo. Em 1718, foi publicado o Tratado de autoflagelação, que ensinava como descobrir o prazer através da dor, mas sem causar dano ao corpo. No final daquele século, existiam dezenas de lugares em toda a Europa onde as pessoas sofriam para chegar à alegria. Há registros de reis e princesas que se faziam flagelar por seus escravos, até descobrirem que o prazer estava não apenas em apanhar, mas também em aplicar a dor - embora fosse mais exaustivo e menos gratificante.