Enquanto fumava seu cigarro, Terence experimentava um certo prazer em saber que a maior parte da humanidade jamais podia compreender o que ele estava pensando. Não tinha importância: pertencer a um clube fechado, só os eleitos tinham acesso. Lembrou-se de novo de como o tormento de ser casado se transformou na maravilha de ser casado. Sua mulher sabia que visitava Genève com este propósito, e não se incomodava - pelo contrário, neste mundo doente, ela ficava feliz por seu marido conseguir a recompensa que desejava depois de uma semana de trabalho árduo. Enquanto fumava seu cigarro olhando o lago diante da janela, estava sentindo de novo a vontade de viver. A menina que acabara de sair do quarto havia entendido tudo. Sentia que sua alma estava próxima dela, embora não estivesse ainda pronto para se apaixonar, porque amava sua mulher. Mas gostou de pensar que era livre e podia sonhar com um novo relacionamento.
Faltava apenas fazê- la experimentar o que havia de mais difícil: transformá - la na Vênus Castigadora, na Dominatrix, na Senhora, capaz de humilhar e punir sem piedade. Se passasse na prova, estaria pronto para abrir o seu coração e deixá- la entrar. Do diário de Maria, ainda embriagada pela vodca e pelo prazer: Quando eu não tinha nada a perder, eu recebi tudo. Quando deixei de ser quem era, encontrei a mim mesma.
Quando conhecia humilhação e a submissão total fiquei livre. Não sei se estou doente, se tudo aquilo foi um sonho, ou se acontece apenas uma vez. Sei que posso viver sem isso, mas gostaria de encontrá-lo de novo, de repetir a experiência, ir mais longe do que fui. Estava um pouco assustada com a dor, mas ela não era tão forte quanto a humilhação - era apenas um pretexto. No momento em que tive o primeiro orgasmo em muitos meses, apesar dos muitos homens e das muitas coisas diferentes que fizeram com meu corpo, senti- me - será que isso é possível? - mais perto de Deus. Lembrei- me do que ele disse a respeito da peste negra, do momento em que os flagelantes, ao oferecerem sua dor pela salvação da
humanidade, encontravam nela o prazer. Eu não queria salvara humanidade, ou a ele, ou a
mim mesma. Estava apenas ali.
O sexo é a arte de controlar o descontrole. Não era um teatro, estavam na estação de trem de verdade, a pedido de Maria, que gostava de uma pizza só encontrada ali. Não fazia mal ser um pouco caprichosa. Ralf devia ter aparecido um dia antes, quando então ainda era uma mulher em busca de amor, lareira, vinho, desejo. Mas a vida escolhera de maneira diferente, e hoje passara o dia inteiro sem precisar fazer o seu exercício de concentrar-se nos sons e no presente, simplesmente porque não pensara nele, havia descoberto coisas que lhe interessavam mais.
O que fazer com o homem ao seu lado, comendo uma pizza de que talvez não gostasse, apenas para passar o tempo, e aguardar o momento de irem até sua casa? Quando ele entrara na boate e lhe oferecera um drínk, Maria pensara em dizer que já não tinha mais interesse, que procurasse outra pessoa; por outro lado, tinha uma imensa necessidade de conversar com alguém sobre a noite anterior. Tentara com uma ou outra prostituta que também servia aos "clientes especiais", mas nenhuma lhe dera maior atenção, porque Maria era esperta, aprendia rápido, havia se transformado na grande ameaça do Copacabana. Ralf Hart, de todos os homens que conhecia, era talvez o único que poderia entender, pois Milan o considerava um "cliente especial". Mas ele a enxergava com os olhos iluminados de amor, e isso tornava as coisas mais difíceis, melhor não dizer nada.
- O que você sabe de sofrimento, humilhação, e muito prazer? Mais uma vez ela não tinha conseguido se controlar. Ralf parou de comer a pizza.
- Sei tudo. E não me interessa.
A resposta viera rápida, e Maria ficou chocada. Então, todo mundo sabia tudo, menos ela? Que mundo era aquele, meu Deus?
- Conheci meus demônios e minhas trevas - continuou Ralf. - Fui até o fundo, experimentei tudo, não apenas nesta área, mas em muitas outras. Entretanto, na última vez em que nos encontramos, fui aos meus limites através do desejo, e não da dor. Mergulhei no fundo da minha alma, e sei que ainda quero coisas boas, muitas coisas boas desta vida. Teve vontade de dizer: "Uma delas é você, por favor, não siga este caminho." Mas não teve coragem; em vez disso, chamou um táxi e pediu que os levasse até a beira do lago - onde, uma eternidade antes, tinham andado juntos no dia em que se conheceram. Maria estranhou o pedido, ficou quieta - o instinto lhe dizia que tinha muito a perder, embora sua mente ainda estivesse embriagada com o que acontecera na véspera. Só acordou de sua passividade quando chegaram ao jardim à beira do lago; embora ainda fosse verão, já começava a fazer muito frio durante a noite. - O que fazemos aqui? - perguntou, quando saltaram. -Está ventando, vou pegar um resfriado.