Sansa lembrava-se bem demais. Lembrava-se do modo como uivavam, da sensação do sangue escorrendo por seu rosto do local onde a pedra a atingira, e do fedor de alho no hálito do homem que tentara arrancá-la do cavalo. Ainda conseguia sentir a cruel pressão dos dedos em seu pulso quando tinha perdido o equilíbrio e começado a cair.
Naquela altura, pensou que ia morrer, mas os dedos tinham se contorcido, todos de uma vez só, e o homem guinchara alto como um cavalo. Quando a mão dele caiu, outra, mais forte, puxou-a de volta para a sela. O homem com o bafo de alho estava no chão, com sangue jorrando do coto em que terminava o braço, mas havia outros por toda volta, e alguns tinham tacos na mão. Cão de Caça saltou sobre eles, com a espada transformada numa mancha de aço que deixava para trás uma névoa vermelha à medida que ia sendo brandida. Quando tinham saído correndo diante de seus olhos, Cão de Caça rira, com a terrível cara queimada transformada por um momento.
Obrigou-se agora a olhar para aquele rosto, olhar realmente. Era uma cortesia, e uma senhora nunca podia se esquecer das cortesias.
– Eu… eu devia ter ido ter convosco depois – ela disse, hesitantemente. – Para lhe agradecer, por… por me ter salvado… foi tão bravo.
– Bravo? – a gargalhada dele era quase um rosnado. – Um cão não precisa de coragem para botar ratazanas para correr. Eram trinta contra um, e nem um homem entre eles se atreveu a me enfrentar.
Sansa detestava a maneira como ele falava, sempre tão desagradável e zangado.
– Assustar gente o alegra?
– Não, o que me alegra é matar gente – sua boca retorceu-se. – Enrugue a cara quanto quiser, mas poupe-me dessa falsa piedade. É cria de um grande senhor. Não me diga que Lorde Eddard Stark de Winterfell nunca matou um homem.
– Era o seu dever. Nunca gostou de fazê-lo.
– Foi isso que lhe contou? – Clegane voltou a rir. – Seu pai mentiu. Matar é a melhor coisa que existe – puxou a espada. –
Sansa abraçou-se, subitamente cheia de frio.
– Por que é sempre tão odioso? Eu estava
– Como se eu fosse um desses verdadeiros cavaleiros de que gosta tanto, sim. Para que pensa que um cavaleiro
– Nem sequer os homens que estão do outro lado do rio?
Os olhos de Clegane viraram-se para os incêndios distantes.
– Todas estas chamas... – embainhou a espada. – Só covardes lutam com fogo.
– Lorde Stannis não é nenhum covarde.
– Também não é o homem que o irmão era. Robert nunca deixou que uma coisinha insignificante como um rio o parasse.
– Que irá fazer quando ele atravessar?
– Lutar. Matar. Talvez morrer.
– Não tem medo? Os deuses podem enviá-lo para algum inferno terrível por todo o mal que já fez.
– Que mal? – soltou uma gargalhada. – Que deuses?
– Os deuses que fizeram todos nós.
– Todos? – ele zombou. – Diga-me, passarinho, que tipo de deus faz um monstro como o Duende, ou uma idiota como a filha da Senhora Tanda? Se os deuses existirem, fizeram as ovelhas para que os lobos possam comer carneiro, e os fracos para os fortes brincarem com eles.
– Os verdadeiros cavaleiros protegem os fracos.
Ele fungou: