A alvorada e Qhorin Meia-Mão chegaram juntos. As pedras negras tinham se tornado cinzentas e o céu oriental havia tomado um tom de índigo quando Cobra das Pedras vislumbrou os patrulheiros mais abaixo, abrindo um caminho sinuoso para cima. Jon acordou a prisioneira e a segurou pelo braço enquanto desciam para ir até eles. Felizmente, havia outro caminho para sair da montanha pelo norte e oeste, ao longo de trilhas muito mais suaves do que aquela que os levara até ali. Esperavam num desfiladeiro estreito quando os irmãos surgiram, levando os garranos junto. Fantasma correu para a frente ao sentir o primeiro odor dos três. Jon acocorou-se para deixar o lobo gigante fechar as mandíbulas em volta do pulso, puxando a mão para trás e para a frente, uma brincadeira deles. Mas, quando Fantasma olhou para cima, viu Ygritte olhando-o com olhos tão abertos e brancos como ovos de galinha.
Qhorin Meia-Mão não fez comentários quando viu a prisioneira.
– Havia três – disse-lhe Cobra das Pedras, e nada mais.
– Passamos por dois – Ebben contou –, ou por aquilo que os gatos deixaram – deu um olhar azedo à moça, com uma evidente suspeita no rosto.
– Ela se rendeu – Jon sentiu-se compelido a dizer.
O rosto de Qhorin estava impassível.
– Sabe quem eu sou?
– Qhorin Meia-Mão – a garota ao seu lado parecia uma criança, mas encarou-o ousadamente.
– Diga-me a verdade. Se eu caísse nas mãos de sua gente e me rendesse, o que é que ganharia com isso?
– Uma morte mais lenta.
O grande patrulheiro olhou para Jon.
– Não temos comida para lhe dar, nem podemos dispensar um homem para vigiá-la.
– O caminho que temos adiante é perigoso, moça – disse o Escudeiro Dalbridge. – Um grito quando precisarmos de silêncio, e cada um de nós está condenado.
Ebben puxou o punhal.
– Um beijo de aço vai mantê-la quieta.
Jon sentia a garganta áspera. Olhou-os, impotente.
– Ela se rendeu a mim.
– Então, tem de fazer o que deve ser feito – disse Qhorin Meia-Mão. – Pertence ao sangue de Winterfell, e é um homem da Patrulha da Noite – olhou para os outros. – Venham, irmãos. Vamos deixá-lo tratar disso. Será mais fácil para ele se não ficarmos vendo – e os levou pela trilha serpenteante e íngreme, na direção do pálido clarão cor-de-rosa do sol, onde este irrompia por uma fissura na montanha. Não se passou muito tempo até que Jon e Fantasma ficassem sozinhos com a moça selvagem.
Pensou que Ygritte pudesse tentar fugir, mas ela se limitou a permanecer ali, à espera, olhando-o.
– Nunca matou uma mulher, não é? – quando ele sacudiu a cabeça, ela disse: – Morremos da mesma maneira que os homens. Mas não tem de fazer isso. Mance o acolheria, eu sei que sim. Há caminhos secretos. Aqueles corvos nunca nos pegariam.
– Eu sou tanto um corvo como eles – Jon respondeu.
Ela anuiu com a cabeça, resignada:
– Quem é que me queima depois?
– Não posso. A fumaça pode ser vista.
– É verdade – Ygritte encolheu os ombros. – Bom, há lugares piores do que a barriga de um gato-das-sombras.
Jon puxou Garralonga por cima de um ombro:
– Não tem medo?
– Na noite passada tive – ela admitiu. – Mas agora o sol está no céu. – puxou o cabelo para o lado, a fim de descobrir o pescoço, e se ajoelhou na frente de Jon. – Dê um golpe bom e forte, corvo, senão, volto para assombrá-lo.
Garralonga não era uma espada tão longa ou pesada como a Gelo do pai, mas era, mesmo assim, de aço valiriano. Tocou o gume da espada para marcar o local onde o golpe tinha de cair, e Ygritte estremeceu.
– Isso é frio – ela disse. – Vai logo, de uma vez.
Ergueu Garralonga por sobre a cabeça, apertando bem o punho com ambas as mãos.
– Vai logo – ela o incitou, passado um momento. – Bastardo.
Jon abaixou a espada, e murmurou:.
– Vá.
Ygritte o fitou.
–
Ela foi.
Sansa
O céu meridional estava negro de fumaça. Erguia-se, rodopiando, de uma centena de incêndios distantes, fazendo as estrelas desaparecerem com seus dedos de fuligem. Do outro lado da Torrente da Água Negra, uma linha de chamas ardia à noite, de horizonte a horizonte, enquanto, deste lado, o Duende havia incendiado toda a zona ribeirinha: docas e armazéns, casas e bordéis, tudo o que estivesse fora das muralhas da cidade.
Mesmo na Fortaleza Vermelha o ar tinha gosto de cinzas. Quando Sansa se encontrou com Sor Dontos no sossego do Bosque Sagrado, ele perguntou se ela estivera chorando.
– É só da fumaça – Sansa mentiu. – Parece que metade da mata do rei está ardendo.