A mulher sem um braço morreu ao cair da noite. Gendry e Cutjack cavaram a sua sepultura na encosta de uma colina, à sombra de um chorão. Quando o vento soprava, Arya pensava ouvir os longos ramos pendentes sussurrando: “Por favor. Por favor. Por favor”. Os cabelinhos da sua nuca eriçavam-se, e quase fugiu do local.
– Nada de fogueira esta noite – disse-lhes Yoren. O jantar foi um punhado de rabanetes silvestres que Koss encontrou, uma taça de feijões secos e água de um riacho que corria ali perto. A água tinha um gosto esquisito, e Lommy disse que era o sabor de cadáveres apodrecendo em algum lugar próximo à nascente. Torta Quente teria batido nele se o velho Reysen não os tivesse apartado.
Arya bebeu água demais, só para encher a barriga com alguma coisa. Nunca achou que fosse capaz de dormir, mas de algum modo foi. Quando acordou, a noite estava fechada e sua bexiga estava estourando de cheia. Corpos adormecidos amontoavam-se ao seu redor, enrolados em cobertores e mantos. Arya encontrou a Agulha, levantou-se e escutou. Ouviu os passos suaves de uma sentinela, homens que se viravam num sono inquieto, os ruidosos roncos de Rorge, e o estranho som sibilante que Dentadas fazia quando dormia. De outra carroça vinha o constante e ritmado raspar de aço em pedra feito por Yoren enquanto mascava folhamarga e afiava o gume do punhal.
Torta Quente era um dos rapazes que estavam de vigia.
– Aonde vai? – ele perguntou quando viu que Arya se encaminhava para as árvores.
Arya fez um aceno vago para a floresta.
– Não vai, não – Torta Quente lhe disse. Agora, tinha se tornado de novo mais corajoso, por causa da espada presa ao cinto, mesmo que não passasse de uma espada curta e ele a manejasse como se fosse um cutelo. – O velho disse para todo mundo ficar por perto hoje.
– Tenho de urinar – explicou Arya.
– Bom, use aquela árvore ali – apontou. – Não sabe o que tem por aí, Arry? Já ouvi lobos.
Yoren não gostaria que lutasse com ele. Tentou parecer assustada.
– Lobos? De verdade?
– Eu ouvi – ele confirmou.
– Acho que na verdade não preciso ir.
Voltou à sua manta e fingiu dormir até ouvir os passos de Torta Quente se afastarem. Então, rolou sobre si própria e esgueirou-se para a floresta pelo outro lado do acampamento, silenciosa como uma sombra. Também havia sentinelas por ali, mas Arya não teve dificuldade em evitá-las. Só para garantir, foi até duas vezes mais longe do que de costume. Quando estava certa de que não havia ninguém por perto, abaixou os calções e acocorou-se para tratar do assunto.
Estava urinando, com a roupa amontoada em volta dos tornozelos, quando ouviu um restolhar vindo de debaixo das árvores.
Um deles saiu de debaixo das árvores. Encarou-a e mostrou os dentes, e tudo em que ela conseguiu pensar foi em como tinha sido estúpida e em como Torta Quente se regozijaria quando encontrassem seu corpo meio devorado na manhã seguinte. Mas o lobo se virou e correu de volta para a escuridão, e num instante os olhos tinham desaparecido. Tremendo, limpou-se, vestiu-se e seguiu um distante som de raspar ao voltar ao acampamento e a Yoren. Arya pulou para dentro da carroça ao lado dele, abalada.
– Lobos – sussurrou em voz rouca. – Na floresta.
– É. Deve haver – o homem nem a olhou.
– Me assustaram.
– Ah, é? – cuspiu. – Pensava que a sua gente gostava de lobos.
– Nymeria era um lobo gigante – Arya se abraçou. – É diferente. Seja como for, ela sumiu. Jory e eu atiramos pedras nela até que fugiu, senão a rainha a teria matado – falar sobre aquilo deixava-a triste. – Aposto que se ela estivesse na cidade, não teria deixado que cortassem a cabeça do meu pai.
– Meninos órfãos não têm pais – Yoren disse. – Ou será que se esqueceu? – a folhamarga tinha deixado sua saliva vermelha, e parecia que sua boca sangrava. – Os únicos lobos que temos de temer são os que usam pele de homem, como os que acabaram com aquela aldeia.
– Queria estar em casa – Arya disse em tom infeliz. Tentava com tanta força ser corajosa, ser feroz como um glutão ou algo assim, mas, às vezes, no final das contas, sentia-se como se fosse só uma garotinha.
O irmão negro puxou uma nova folhamarga do fardo e a enfiou na boca.
– Talvez eu devesse ter deixado você onde o encontrei, rapaz. Todos vocês. Parece que estavam mais seguros na cidade.
– Não me importo. Quero ir para casa.