Parecia um lugar pacífico… Até Koss ver o morto.
– Ali, nos juncos – ele apontou, e Arya viu o corpo de um soldado, sem forma e inchado. Seu manto verde encharcado estava preso num tronco apodrecido, e um cardume de minúsculos peixes prateados mordiscava sua face.
– Eu disse a vocês que havia corpos – Lommy anunciou. – Podia sentir o gosto deles na água.
Quando Yoren viu o cadáver, cuspiu:
– Dobber, vê se ele tem alguma coisa que valha a pena levar. Cota de malha, faca, umas moedas, qualquer coisa.
Esporeou seu castrado e avançou pelo rio adentro, mas o cavalo sentiu dificuldades com a lama mole, e para lá dos juncos a água aprofundava-se. Yoren voltou, zangado, com o cavalo coberto de lodo marrom até os joelhos.
– Não vamos atravessar aqui. Koss, venha comigo, para cima, em busca de um vau. Woth, Gerren, vocês vão para baixo. O resto espera aqui. Fiquem de guarda.
Dobber encontrou uma bolsa de couro no cinto do morto. Lá dentro havia quatro moedas de cobre e uma pequena madeixa de cabelo louro atada em uma fita vermelha. Lommy e Tarber tiraram a roupa e entraram na água. Lommy pegou punhados de lama viscosa e atirou-os em Torta Quente, aos gritos de “Torta de Lama! Torta de Lama!”. Na sua carroça, Rorge praguejou, ameaçou-os e disse-lhes para o desacorrentarem enquanto Yoren estava longe, mas ninguém lhe deu atenção. Kurz pegou um peixe com as mãos. Arya viu como ele fez, em pé numa poça rasa, calmo como águas paradas, lançando a mão, rápida como uma serpente, quando o peixe nadou por perto. Não parecia ser tão difícil como apanhar gatos. Os peixes não tinham garras.
Era meio-dia quando os outros voltaram. Woth falou de uma ponte de madeira a meia milha para jusante, mas alguém a tinha queimado. Yoren puxou uma folhamarga do seu fardo:
– Podíamos passar os cavalos a nado e, talvez, também os burros, mas não tem como fazer passar as carroças. E há fumaça a norte e a oeste, mais incêndios. Pode ser que este lado do rio seja o lugar onde queremos ficar – Yoren pegou um longo pau e desenhou um círculo na lama, com uma linha saindo dele pela parte de baixo. – Isto é o Olho de Deus, com o rio seguindo ao sul. Estamos aqui – fez um buraco ao lado da linha do rio, abaixo do círculo. – Não podemos dar a volta pela margem oeste do lago, como eu pensava. Para leste, voltamos à estrada do rei – ele deslocou o pau para onde a linha e o círculo se encontravam. – Se me lembro bem, há aqui uma vila. O castro é de pedra, e há um fidalgo que tem casa ali, é só uma casa-torre, mas deve ter sua guarda, e pode haver um cavaleiro ou dois. Seguimos o rio para norte, devemos chegar lá antes da noite. Devem ter barcos, e vou tentar vender tudo o que temos para alugar um para nós – agora Yoren riscava por cima do círculo que representava o lago, de baixo para cima. – Se os deuses forem bons, vamos ter vento para velejar e atravessar o Olho de Deus até Vila de Harren – espetou a ponta do pau no topo do círculo. – Lá podemos comprar novas montarias, ou então procurar refúgio em Harrenhal. É o domínio da Senhora Whent, e ela sempre foi amiga da Patrulha.
Os olhos de Torta Quente esbugalharam-se.
– Há fantasmas em Harrenhal.
Yoren cuspiu:
– Ao diabo com os seus fantasmas – ele atirou o pau na lama. – Montem.
Arya estava lembrando das histórias que a Velha Ama costumava contar de Harrenhal. O malvado Rei Harren tinha se trancado lá dentro, e por isso Aegon soltou os dragões e transformou o castelo numa pira. A Ama dizia que os espíritos do fogo ainda assombravam as torres enegrecidas. Às vezes, os homens iam dormir seguros em suas camas e eram encontrados mortos pela manhã, completamente queimados. Arya não acreditava nisso de verdade, e, fosse como fosse, tinha acontecido muito tempo atrás. Torta Quente estava sendo bobo; não haveria fantasmas em Harrenhal, mas sim
A trilha do rio não era nenhuma estrada do rei, mas também não era ruim e, no final, as carroças puderam avançar com rapidez. Viram a primeira casa uma hora antes do cair da noite, uma pequena e confortável casa de campo, com telhado de sapé e rodeada de campos de trigo. Yoren avançou na frente, chamando, mas não obteve resposta.
– Mortos, talvez. Ou escondidos. Dobber, Rey, comigo – os três homens entraram na casa. – Não há vasilhas nem sinal de moedas – Yoren resmungou quando retornaram. – Nenhum animal. O mais certo é que fugiram. Talvez encontremos essa gente na estrada do rei.
Pelo menos a casa e os campos não tinham sido queimados e não havia cadáveres por ali. Tarber encontrou um jardim no fundo. Desenterraram algumas cebolas e rabanetes e encheram um saco com repolhos antes de seguirem caminho.