– Queimada – Salladhor Saan o corrigiu –, e fique feliz por isso, meu amigo. Conhece a lenda sobre a forja de Luminífera? Vou contá-la. Era num tempo em que a escuridão caíra, pesada, sobre o mundo. Para enfrentá-la, o herói tinha de ter uma lâmina de herói, ah, como nenhuma que já tivesse existido. E assim, durante trinta dias e trinta noites, Azor Ahai trabalhou sem dormir no templo, forjando uma lâmina nas fogueiras sagradas. Aquecer, martelar e dobrar, aquecer, martelar e dobrar, ah, sim, até a espada ficar pronta. Mas, quando a mergulhou na água para temperar o aço, ela se partiu em pedaços. Como era um herói, não era do seu feitio desistir e ir atrás de excelentes uvas como estas, e, portanto, recomeçou. Da segunda vez levou cinquenta dias e cinquenta noites, e essa espada parecia ainda melhor do que a primeira. Azor Ahai capturou um leão, para temperar a lâmina mergulhando-a no coração vermelho da fera. Mas mais uma vez o aço se estilhaçou e se dividiu. Grande foi sua aflição e grande foi seu desgosto, pois sabia o que tinha de fazer. Trabalhou na terceira lâmina durante cem dias e cem noites e, enquanto ela brilhava, incandescente, nas fogueiras sagradas, chamou a mulher. “Nissa Nissa”, disse-lhe, pois era esse o seu nome, “Desnude o peito, e fique sabendo que a amo mais do que a qualquer outra coisa no mundo”. Ela obedeceu, não faço ideia do porquê, e Azor Ahai enfiou a espada fumegante no seu coração vivo. Diz-se que o grito de angústia e êxtase que ela soltou abriu uma fenda no rosto da lua, mas seu sangue, sua alma, sua força e sua coragem penetraram no aço. Esta é a lenda sobre a forja da Luminífera, a Espada Vermelha dos Heróis. Compreende agora o que quero dizer? Fique feliz por ter sido apenas uma espada queimada que Sua Graça tirou do fogo. Luz demais pode machucar os olhos, meu amigo, e o fogo
– Em breve, penso – disse Davos –, se o deus dele quiser.
– O deus
Davos bebeu um gole de cerveja para se dar um momento.
– O meu deus é o Rei Stannis. Foi ele que me fez e me abençoou com a sua confiança.
– Lembrarei disso – Salladhor Saan pôs-se em pé. – As minhas desculpas. Estas uvas deram-me fome, e o jantar aguarda na minha
O liseno deu uma palmada nas costas de Davos e saiu da estalagem como se fosse seu dono. Sor Davos Seaworth ficou debruçado bastante tempo sobre sua caneca, pensando. Um ano antes, estivera com Stannis em Porto Real, quando o Rei Robert organizou um torneio no dia do nome do Príncipe Joffrey. Lembrava-se do sacerdote vermelho Thoros de Myr e da espada flamejante que ele brandiu no corpo a corpo. O homem rendeu um espetáculo colorido, com as vestes vermelhas esvoaçando, enquanto a espada estremecia com chamas verde-claras. Mas todos sabiam que não havia ali verdadeira magia, e no fim o fogo esgotou-se, e Bronze Yohn Royce abriu sua cabeça com uma maça vulgar.
Davos terminou sua cerveja, empurrou a caneca para longe e abandonou a estalagem. Ao sair, deu uma palmadinha na cabeça da gárgula e murmurou:
– Sorte.
Todos iriam precisar dela.
Já era noite bem avançada quando Devan chegou a
– Senhor meu pai – anunciou –, Sua Graça ordena que compareça perante ele na Sala da Mesa Pintada. Deve montar o cavalo e ir de imediato.