Alto e magro, com ferozes olhos negros e um nariz em forma de bico, o sacerdote usava vestimentas em verde, cinza e azul, o torvelinho de cores do Deus Afogado. Um odre de água pendia do seu ombro, de uma correia de couro, e cordões de algas secas estavam trançados no seu cabelo negro, que chegava à cintura, e na barba por fazer.
Theon franziu a testa enquanto vasculhava a memória. Numa das suas sucintas cartas, Lorde Balon havia escrito algo sobre seu irmão mais novo ter naufragado numa tempestade e se tornado um homem santo quando foi encontrado vivo na costa.
– Tio Aeron? – a voz de Theon soou incerta.
– Sobrinho Theon – respondeu o sacerdote. – O senhor seu pai pediu-me para vir buscá-lo. Venha.
– Um momento, tio – Theon se virou para o
Um marinheiro entregou-lhe o grande arco de teixo e a aljava, mas foi a filha do capitão quem lhe trouxe o pacote com a roupa boa.
– Senhor.
Os olhos da menina estavam vermelhos. Quando pegou o pacote, ela fez um gesto para abraçá-lo, ali mesmo, na frente do pai, do tio sacerdote de Theon e de metade da ilha.
Theon virou-se habilmente de lado.
– Os meus agradecimentos.
– Por favor – ela pediu. – Eu o amo, senhor.
– Tenho de ir – Theon apressou-se em seguir o tio, que já avançara bastante ao longo do cais, alcançando-o com uma dúzia de longas passadas. – Não esperava encontrá-lo, tio. Depois de dez anos, pensei que talvez o senhor meu pai ou a senhora minha mãe pudessem vir em pessoa, ou mandassem Dagmer com uma guarda de honra.
– Não cabe a você questionar as ordens do Senhor Ceifeiro de Pyke – os modos do sacerdote eram gélidos, bem diferentes dos do homem que Theon recordava. Aeron Greyjoy fora o mais amigável dos seus tios, fútil e de riso rápido, dado a canções, cerveja e mulheres. – E quanto a Dagmer, o Boca Rachada, partiu para a Velha Wyk a mando do seu pai, a fim de chamar os Stonehouse e os Drumm.
– Com que objetivo? Por que os dracares estão reunidos?
– Por que se reúnem os dracares desde sempre? – o tio tinha deixado os cavalos atados em frente à estalagem. Quando lá chegaram, virou-se para Theon: – Diga-me a verdade, sobrinho. Agora reza aos deuses dos lobos?
Theon raramente rezava, e ponto. Mas isso não era algo que se pudesse confessar a um sacerdote, mesmo ao irmão do pai.
– Ned Stark rezava a uma árvore. Não, não me importo nada com os deuses dos Stark.
– Ótimo. Ajoelhe-se.
O chão era todo de pedra e lama.
– Tio, eu…
–
Theon ajoelhou-se. Tinha ali um propósito e podia necessitar da ajuda de Aeron para alcançá-lo. Supunha que uma coroa valia um pouco de lama e bosta de cavalo nos calções.
– Abaixe a cabeça.
Erguendo o odre, o tio tirou a rolha e apontou um fino jorro de água do mar para a cabeça de Theon. O fluxo da água ensopou seu cabelo e correu pela sua testa até os olhos. Escorreu pelo rosto, e um suave fluxo de água deslizou sob o manto e o gibão, e pelas costas abaixo, um riacho frio ao longo da espinha. O sal fez seus olhos arderem, até que só com grande dificuldade evitou gritar. Sentiu nos lábios o sabor do oceano.
– Que Theon, seu servo, renasça do mar, como o senhor renasceu – entoou Aeron Greyjoy. – Abençoe-o com o sal, abençoe-o com a pedra, abençoe-o com o aço. Sobrinho, ainda conhece as palavras?
– O que está morto não pode morrer – Theon respondeu, lembrando-se.
– O que está morto não pode morrer – ecoou o tio –, mas volta a se erguer, mais duro e mais forte. Erga-se.
Theon ergueu-se, piscando, reprimindo lágrimas causadas pelo sal que tinha nos olhos. Sem uma palavra, o tio arrolhou o odre, desatou o cavalo e montou. Theon fez o mesmo. Arrancaram juntos, deixando a estalagem e o porto para trás, passando pelo castelo de Lorde Botley e entrando nas colinas pedregosas. O sacerdote não disse nem mais uma palavra.
– Passei metade da vida longe de casa – arriscou Theon por fim. – Vou encontrar as ilhas mudadas?
– Os homens pescam no mar, escavam na terra e morrem. As mulheres dão à luz crianças em sangue e dor, e morrem. A noite segue o dia. Os ventos e as marés permanecem. As ilhas são como nosso deus as fez.
– Encontrarei minha irmã e a senhora minha mãe em Pyke?
– Não. Sua mãe mora em Harlaw com a irmã dela. É menos úmido por lá, e a tosse a atormenta. Sua irmã levou
Theon não precisava que lhe dissessem que
– Stark é cinza, e Greyjoy é negro – ele murmurou, sorrindo –, mas parece que ambos somos ventosos.
O sacerdote nada tinha a responder àquilo.