O homem abriu-lhe caminho. Theon subiu os degraus em espiral até o aposento privado de seu pai. Encontrou-o sentado ao lado de um braseiro, sob um roupão de velhas peles de foca que o cobria dos pés até o queixo. Ao ouvir o som das botas na pedra, o Senhor das Ilhas de Ferro ergueu os olhos para contemplar seu último filho homem sobrevivente. Era mais baixo do que Theon recordava. E tão descarnado. Balon Greyjoy sempre fora magro, mas agora parecia que os deuses o tinham depositado num caldeirão, fervendo cada grama de carne não imprescindível e arrancando-a dos ossos, até que nada restasse, a não ser cabelo e pele. Era magro e duro como um osso, com um rosto que podia ter sido esculpido em sílex. Seus olhos eram também de sílex, negros e penetrantes, mas os anos e os ventos salgados tinham deixado seu cabelo cinza como um mar de inverno, salpicado de espuma branca, e, quando solto, caía abaixo da cintura.
– Nove anos, é isso? – disse por fim Lorde Balon.
– Dez – Theon respondeu, descalçando as luvas rasgadas.
– Levaram um garoto – o pai falou. – O que você é agora?
– Um homem. Do seu sangue, e seu herdeiro.
Lorde Balon soltou um grunhido.
– Veremos.
– Verás – Theon prometeu.
– Dez anos, diz você. Stark teve você durante tanto tempo quanto eu. E agora chega como seu enviado.
– Dele, não – Theon o corrigiu. – Lorde Eddard está morto, decapitado pela rainha Lannister.
– Estão ambos mortos – Lorde Balon recordou. – O Stark e aquele Robert que quebrou minhas muralhas com as suas pedras. Um dia jurei que viveria para ver ambos sepultados, e vivi – fez uma careta. – E, no entanto, o frio e a umidade ainda fazem minhas articulações doerem, como quando eram vivos. Portanto, de que serve?
– Serve – Theon aproximou-se. – Trago uma carta…
– Foi Ned Stark quem o vestiu assim? – seu pai o interrompeu, olhando-o de soslaio de dentro do roupão. – Era desejo dele enfiá-lo em veludos e sedas e fazer de você sua querida filha?
Theon sentiu o sangue subir ao seu rosto.
– Não sou filha de ninguém. Se não gosta do meu traje, vou trocá-lo.
– Trocará – concordou Lorde Balon. Libertando-se do roupão de peles, ficou de pé. Não era tão alto como Theon recordava. – Essa porcaria em volta do seu pescoço… Comprou-a com ouro ou com ferro?
Theon tocou o fio de ouro, sem encontrar palavras. Tinha esquecido.
– Fica vermelho como uma donzela, Theon – seu pai ralhou. – Foi feita uma pergunta. Foi o preço de ouro que pagou ou o de ferro?
– O de ouro – Theon admitiu.
O pai enfiou os dedos sob o colar e deu um puxão tão forte, que poderia ter arrancado a cabeça de Theon se a corrente não tivesse se quebrado primeiro.
– Minha filha tomou um machado como amante. Não permitirei que meu filho se enfeite como uma prostituta – deixou o fio partido cair no braseiro, onde desapareceu por entre os carvões. – É como eu temia. As terras verdes tornaram-no mole, e os Stark transformaram-no em um deles.
– Engana-se – Theon reagiu. – Ned Stark era meu carcereiro, mas meu sangue ainda é de sal e ferro.
Lorde Balon virou-se e aqueceu as mãos ossudas sobre o braseiro.
– E, no entanto, o filhote Stark manda você até mim como um corvo bem treinado, agarrado à sua pequena mensagem.
– Não há nada de pequeno na carta que trago. E a oferta que faz foi a que
– Então, este rei lobo presta atenção aos seus conselhos? – a ideia parecia divertir Lorde Balon.
– Sim, ele presta atenção em mim. Cacei e treinei com ele, partilhei comida e bebida com ele, guerreei ao seu lado. Conquistei a sua confiança. Olha para mim como a um irmão mais velho, ele…
–
– Não me esqueci de nada.
Ned Stark, na verdade, não havia matado nenhum dos seus filhos. Rodrik fora morto por Lorde Jason Mallister em Guardamar, e Maron morrera esmagado no colapso da antiga torre sul… Mas Stark
– Lembro-me muito bem dos meus irmãos – Theon continuou. Lembrava-se principalmente das bofetadas que Rodrik lhe dava quando se embebedava e das brincadeiras cruéis e mentiras sem fim de Maron. – Também me lembro de quando meu pai era um rei – tirou a carta que Robb tinha lhe dado e a apresentou. – Aqui está. Leia-a… Vossa Graça.
Lorde Balon quebrou o selo e desdobrou o pergaminho. Seus olhos negros saltitaram de um lado para outro.
– Então o rapaz quer me dar uma coroa de volta. E tudo o que tenho de fazer é destruir os seus inimigos – seus lábios finos retorceram-se num sorriso.