De repente, Arya recordou-se da manhã em que atirou uma laranja na cara de Sansa e a irmã ficou com o estúpido vestido cor de marfim cheio de sumo. Havia no torneio um fidalgo qualquer do Sul, e a amiga tonta de Sansa, Jeyne, estava apaixonada por ele. Tinha um relâmpago no escudo, e seu pai enviara-o em busca do irmão do Cão de Caça para decapitá-lo. Aquilo agora parecia ter acontecido há mil anos, algo que acontecera a uma pessoa diferente, numa vida diferente… a Arya Stark, a filha da Mão, não a Arry, o garoto órfão. Como Arry conheceria os senhores e coisas como essas?
– Está cego, homem? – Yoren sacudiu sua vara de um lado para o outro, fazendo o manto ondular. – Vê algum maldito relâmpago?
– De noite todos os estandartes parecem negros – observou o cavaleiro do elmo de espigão. – Abra, ou serão considerados foras da lei aliados aos inimigos do rei.
Yoren cuspiu.
– Quem está no comando?
– Sou eu – os reflexos de casas ardendo cintilaram, embaçados, na armadura do cavalo de guerra do homem, quando os outros se afastaram para deixá-lo passar. Era um homem robusto, com uma manticora no escudo e arabescos ornamentais rastejando na placa de peito de aço. Através do visor aberto do elmo, uma cara pálida e porcina espreitou para cima. – Sor Amory Lorch, vassalo de Lorde Tywin Lannister, de Rochedo Casterly, Mão do Rei. Do rei
Em toda a volta dos homens, a vila ardia. O ar da noite estava cheio de fumaça, e havia fagulhas vermelhas em maior número do que as estrelas. Yoren fechou a cara.
– Não vejo necessidade. Faça o que quiser da vila, não significa nada para mim, mas deixe-nos em paz. Não somos seus adversários.
– Mas eles não
– Não acho que se importem, Arry – Gendry sussurrou em resposta.
Ela olhou para Sor Amory, da maneira como Syrio a ensinara a olhar, e viu que Touro tinha razão.
– Se não são traidores, abram os portões – gritou Sor Amory. – Vamos nos certificar de que estão dizendo a verdade e seguiremos caminho.
Yoren estava mastigando folhamarga.
– Já disse, não há ninguém aqui além de nós. Dou a minha palavra.
O cavaleiro com o elmo de espigão riu:
– O corvo nos dá a sua
– Está perdido, velho? – zombou um dos lanceiros. – A Muralha fica muito longe, a Norte daqui.
– Ordeno-lhe uma vez mais, em nome do Rei Joffrey, que prove a lealdade que alega e que abra esses portões – gritou Sor Amory.
Por um longo momento Yoren refletiu, mastigando. Então, cuspiu.
– Acho que não.
– Assim seja. Desafiam as ordens do rei, e assim proclamam-se rebeldes, com ou sem mantos negros.
– Tenho garotos novos aqui dentro – gritou Yoren.
– Garotos novos e homens velhos morrem da mesma forma.
Sor Amory ergueu um punho frouxo e uma lança voou das sombras brilhantes de fogo atrás dele. Yoren devia ser o alvo, mas foi Woth, a seu lado, quem foi atingido. A ponta da lança penetrou na sua garganta e explodiu na parte de trás do pescoço, escura e úmida. Woth agarrou o cabo e caiu, sem forças, da passarela.
– Assaltem as muralhas e matem todos – ordenou Sor Amory numa voz entediada. Mais lanças voaram. Arya puxou Torta Quente para baixo pela parte de trás da túnica. De fora veio o clangor das armaduras, o roçar de espadas em bainhas, o bater de lanças em escudos, misturados com xingamentos e o ruído dos cascos de cavalos a galope. Um archote voou, rodopiando, por cima das suas cabeças, arrastando dedos de fogo enquanto atingia a terra do pátio.
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Torta Quente deixou cair sua espada curta quando tentou desembainhá-la. Arya tentou enfiar a espada de volta na sua mão.
– Eu não sei lutar com espada – ele disse, os olhos esbugalhados.
– É fácil – Arya respondeu, mas a mentira morreu na sua garganta quando uma
Brandiu a espada com força para baixo, e o aço forjado em castelo da Agulha atingiu os dedos entre as articulações.
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